BRASIL - Agrotóxicos condenados pela Organização Mundial da
Saúde (OMS) na última semana continuam liberados no Brasil, apesar de alertas
de especialistas à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a quem
cabe a reavaliação dos venenos. A Agência Internacional de Pesquisas do Câncer
(Iarc, na sigla em inglês), órgão da OMS, classificou cinco pesticidas como
"provavelmente" ou "possivelmente" carcinogênicos. Quatro
deles são liberados no Brasil: glifosato, malation, diazinon e parationa
metílica.
O glifosato, ingrediente ativo do herbicida roundup,
desenvolvido pela empresa Monsanto, é o veneno agrícola mais vendido no mundo.
No Brasil, foram comercializadas, em 2013, 186 mil toneladas da substância,
usada, principalmente, em lavouras de soja transgênica.
Uso de agrotóxicos condenados pela OMS continuam liberados no Brasil. Foto: Reprodução Internet |
Em 2008, a Anvisa resolveu reavaliar a liberação do
glifosato. Para isso, contratou a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que reuniu
sete especialistas para a elaboração de uma nota técnica. O documento entregue
à Avisa condenava o uso do glifosato, com base em pesquisas científicas que
indicavam o potencial cancerígeno. Até hoje, porém, o agrotóxico continua
liberado e o consumo é crescente nas lavouras do País.
Por meio de nota, a Anvisa informou que não há prazo para a
conclusão do processo, mas que o caso terá prioridade depois da divulgação do
estudo da Iarc. "Seguramente, as conclusões da Iarc serão relevantes na
conclusão da reavaliação", diz a nota.
O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) informou que
pautará o assunto no Conselho Consultivo da Anvisa, do qual participa. "É
preciso finalizar urgentemente a reavaliação. Proibir seria o ideal",
propõe a nutricionista do instituto Ana Paula Bortoletto. "Antes, se dizia
que os agrotóxicos eram necessários para acabar com a fome no mundo. Hoje,
sabemos que isso não é verdade", diz.
Controvérsia
A Monsanto nega que o glifosato cause câncer e garante que o
produto é seguro para a saúde humana e para o meio ambiente. De acordo com a
Iarc, há "evidências limitadas de carcinogenicidade em humanos" e
"suficiente evidência de carcinogenicidade em animais". A
classificação do glifosato como "provavelmente" cancerígeno pela
agência se baseia em estudos desenvolvidos nos Estados Unidos, no Canadá e na
Suécia. Além destes, há uma série de pesquisas que apontam na mesma direção. A
Monsanto, no entanto, coleciona outras indicando a segurança do produto,
incluindo análise do BfR, órgão alemão responsável pela liberação do glifosato
na União Europeia, na qual se lê que a decisão da Iarc foi
"surpresa", já que "outras avaliações realizadas por órgãos
supranacionais concluíram o contrário".
De acordo com a Iarc, o glifosato está ligado ao
desenvolvimento de linfomas não-hodgkin, que incluem mais de 20 tumores
diferentes. O INCA indica que o número de casos desse tipo de câncer duplicou
nos últimos 25 anos.
Resistência
O uso do glifosato no Brasil aumentou quase 200% entre 2002
e 2011. Passou de 44 mil para 132 mil toneladas por ano. O incremento é muito
maior que o crescimento da área plantada, que passou de 54,5 milhões de
hectares para 71,1 milhões - 31% a mais - no mesmo período. Ou seja: os
agricultores passaram a usar mais herbicida por área plantada. Esse aumento pode
ser explicado, segundo especialistas, pelo desenvolvimento de resistência das
plantas ao agrotóxico.
De acordo com a médica toxicologista Márcia Sarpa de Campos
Mello, do Inca, o aparecimento do câncer pode ocorrer até 30 anos depois da
exposição ao agente causador. Daí a dificuldade em fazer a relação.
A grande barreira, porém, no controle dos agrotóxicos,
segundo especialistas, é a pressão econômica da indústria química. Esse mercado
movimentou no Brasil R$ 13 bilhões em 2011, de acordo com estudo da Associação
Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). No mesmo ano, o orçamento da Anvisa,
para bancar toda a estrutura e ações de fiscalização da agência, foi de cerca
de 3% desse total: R$ 400 milhões.
O ex-gerente de toxicologia da Anvisa Luiz Cláudio
Meirelles, que estava à frente dos processos de reavaliação, foi exonerado do
cargo em 2012, depois de denunciar irregularidades na liberação de agrotóxicos.
"É preciso adotar o princípio da precaução. Conforme as pesquisas avançam,
aparecem novas evidências contra os venenos", diz o ex-gerente, agora
pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública.
Correio Braziliense
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